Estatuto da Criança e do Adolescente: eficiente ou ultrapassado?
O assassinato do estudante de rádio e TV Victor Hugo Deppman, 19 anos,
quando chegava a sua casa numa noite de terça-feira em São Paulo gerou grande
comoção popular e sérias discussões sobre a questão da redução da idade penal
no Brasil. O grande apoio às propostas de punir esses jovens infratores veio
pelo fato do assassino, que teve seu nome preservado por ainda não ter
completado a idade penal no momento do crime, sofrer apenas medidas socioeducativas
previstas pela ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), mesmo tendo
completado 18 anos dias depois de ter se entregado a polícia.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), como resposta ao
clamor popular, levou até Brasília um projeto de lei de sua autoria, que prevê
uma reforma ao ECA e punições mais rigorosas a jovens que cometem crimes hediondos.
Uma das propostas para tentar coibir a ação de menores em crimes, é a ampliação
de até oito anos do período de internação do menor, e a transferência para
presídios daqueles que completarem 18 anos durante o seu período de internação
na Fundação Casa. O governador ressaltou em entrevista, o fato de o jovem
delituoso ficar apenas três anos internado na fundação, e sair com a ficha
limpa, embora seja um caso hediondo e reincidente. Crimes dessa mesma natureza
continuam ocorrendo, aumentando ainda mais a sensação de falta de punição aos
jovens em conflito com a lei, exemplos disso foram o estupro de uma mulher
dentro de um ônibus no Rio de Janeiro e o assassinato da dentista Cinthya
Magaly Moutinho de Souza em São Paulo, que teve o seu corpo queimado. E para
total indignação de todos, no momento da apreensão do menor agressor , o mesmo
em sinal de deboche à lei que o protegerá, riu para as câmeras, sem temer a sua
punição.
O Ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, se colocou contra as
alterações propostas ao ECA, e classificou as discussões de diminuir a
maioridade penal para 16 anos como descabidas do ponto de vista jurídico,
principalmente pelo fato de ser garantido pelo artigo 228 da constituição
Federal de 1988 a inimputabilidade de menores de 18 anos e a sujeição dos mesmos
à legislações especiais. Tornando esses projetos de lei inconstitucionais, e
para alguns uma violação de Cláusula Pétrea. Também indo contra a sujeição dos
menores infratores pela legislação penal comum, o vice-presidente da República,
Michel Temer (PMDB) e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da
República, Gilberto Carvalho, defenderam a ampliação de projetos que integram a
juventude negra e mais pobre aos meios sociais, sob o argumento de que diminuir
a maioridade penal é ineficaz para o fim da violência no país, posicionando o
governo de Dilma Rousseff contra as medidas de austeridade às leis penais.
Não é a primeira vez que é defendido, por grande parte da população
brasileira, que discussões sobre a reforma do direito penal brasileiro seja
posta em pauta pelo congresso Nacional, atualmente, pelo menos cinco propostas
de emenda à constituição (PEC) tramitam pelo Congresso, dentre vários outros
projetos de lei da mesma natureza.
Em abril de 2007 foi aprovada
pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal uma PEC de
autoria do ex-senador Demóstenes Torres que previa a redução da maioridade
penal para 16 anos nos casos de crimes hediondos, desde que laudo técnico
psicológico, atestasse a capacidade do adolescente de entender a ilicitude de
seu ato. A proposta ainda sugeria o cumprimento da pena em local diferente dos
detidos maiores de 18 anos. Desde então a proposta aguarda votação em plenário.
A PEC do ex-senador Demóstenes Torres foi aprovado pela CCJ sob o calor da
comoção popular diante da morte do garoto João Hélio Fernandes, 6, que foi
arrastado por ladrões, um deles menor de 18 anos, em um carro por 14 ruas do
Rio de Janeiro.
Uma proposta de emenda à constituição semelhante à aprovada pela CCJ
em 2007 é a PEC 33/12 do Senador Aloysio Nunes (PSDB) que também é a mais
recente e a que agradou a maior parte dos parlamentares. A proposta do Tucano
prevê a redução da maioridade penal para 16 anos apenas nos casos de crimes
hediondos e inafiançáveis. E ainda a possibilidade de jovens reincidentes, que
cometessem crimes como o roubo qualificado, responderem como adultos.
“Não pergunte o que o seu país pode fazer por você, pergunte o que você
pode fazer pelo seu país”.
Sob a defesa do Artigo
228 da Constituição Federal de 1988 (“São penalmente inimputáveis os menores de
dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”) juristas e
parlamentares demonstram a inconstitucionalidade dos projetos de lei que
desejam modificar a idade penal brasileira, e ainda sob a defesa do artigo 60,
parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal de 1988 (“Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV- os direitos e garantias
individuais.”) acusam-nas de violar uma Cláusula Pétrea. Invocam, ainda, o
artigo 227, parágrafo 3º, V da Constituição Federal de 1988, e vários outros
artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente para reforçar os argumentos e
barrar a evolução das propostas de emenda à Constituição (PEC) no Congresso Nacional.
O atual governo
considera que a diminuição da menor idade não solucionará o problema do
envolvimento de jovens na criminalidade, mas sim, agravará; defendendo a
ampliação de projetos de inserção social como o ‘Brasil carinhoso’ e o
‘Juventude viva’. Reconhecendo a falência do sistema prisional brasileiro,
juristas atentam para o fato de que colocar jovens em prisões comuns só
aumentariam os índices de reincidência, e tornariam esses jovens verdadeiros
bandidos profissionais. “Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras
e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário e não de medidas que condenem
o futuro do Brasil à cadeia”, destaca Ariel de Castro, membro do Movimento
Nacional de Direitos Humanos, que pede cautela aos defensores da diminuição da
maioridade penal após crimes bárbaros como o ocorrido em São Paulo.
Para muitos, adotar
medidas de austeridade ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) só
resolveriam as consequências do problema, e as suas verdadeiras raízes ficariam
mais uma vez sem solução. Outros acusam os defensores da diminuição da menor
idade penal, de ‘aproveitadores das dores alheias’; apresentando propostas
milagrosas e sem real efetividade só para se promoverem diante do eleitorado.
A UNICEF e a CNBB
(Conferência nacional dos Bispos do Brasil), declararam em nota o repudio as
propostas de leis que desejam modificar o Estatuto da Criança e do adolescente.
Para a CNBB diminuir a maioridade penal para 16 anos “é maquiar o verdadeiro
problema do Brasil”, como a desigualdade social e a educação de má qualidade.
Já a UNICEF alertou para o fato de que seria inconciliável com o sistema
nacional de atendimento socioeducativo (SINASE), que hoje, rege o funcionamento
e a execução das medidas socioeducativas. Além de afrontar os direitos
enunciados em tratados e documentos internacionais, de proteção aos direitos
humanos de crianças e adolescentes, assinado pelo Brasil.
O vice-presidente da
República, Michel Temer (PMDB), alertou para a falsidade da justificativa de que
o crime organizado utiliza dos adolescentes para cometer crimes mais graves, e
que diminuindo a maioridade penal para 16 anos corrigiria esse problema, que
pelo contrário só incentivaria o crime organizado a recrutar pessoas cada vez
mais jovens.
Portanto para aqueles
que defendem a manutenção do ECA ou só uma atualização do mesmo, diminuir a
maioridade penal no Brasil é reconhecer a incompetência do Estado em
proporcionar políticas públicas para o bem-estar da população, e efetivar as
garantias constitucionais do direito à vida, à liberdade, à igualdade, e à
propriedade.
Fazendo uso, assim
sendo, das palavras de John F. Kennedy, “Não pergunte o que o seu país pode
fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo seu país”.
"Em vez de ser ‘desculpabilizante’, a lei deve adaptar-se à
realidade, que já não é de brandos costumes".
Vários são
os exemplos dos países vizinhos, de endurecimento das leis penais para os
jovens delinquentes, e exemplos como o dos EUA e do Reino Unido que o Brasil
deveria seguir para muitos defensores da diminuição da maioridade penal no
Brasil. Em grande parte dos estados americanos, o jovem com mais de 12 anos já
pode ser julgado como um adulto, de acordo com a decisão do juiz, que tem maior
liberdade para decidir quando o caso é digno de punições mais severas. Para
alguns juristas, a solução estaria na tentativa de punir esses jovens
criminosos em casos de reincidência de forma mais dura, como no caso dos EUA.
Ocorrências registradas com menores delituosos só têm
aumentado por todo o país, e os crimes estão cada vez mais audazes e cruéis,
lotando os centros socioeducativos, e abrindo mais uma vez a lacuna para se
discutir a diminuição da maioridade penal para 16 anos. O Fenômeno, para
muitos, deriva da proteção que as leis dão a esses menores infratores, que tem
como pena máxima três anos de reclusão em uma entidade socioeducativa. Se é que
se pode chamar de punição! Além de saírem com a ficha limpa, eles ainda recebem
cursos profissionalizantes, ou seja, o garoto comete um crime, e o Estado lhe
presta favores.
O colunista da Folha de São Paulo, Contardo Calligaris,
demonstrou toda a sua indignação perante o brando sistema penal brasileiro
acusando-o de "infantolatria", e de dar proteção a criminosos que
cometem crimes cada vez mais atrozes por ter total consciência de que não serão
punidos. “É assim que protegemos o futuro do criminoso, para que, uma vez
regenerado pela mágica de três anos de internação (alguém acredita?), ele possa
facilmente reintegrar a sociedade e ser um cidadão exemplar, nosso vizinho”,
escreveu o jornalista em um trecho de seu artigo. Além de desmentir os
argumentos de Ariel de Castro,
membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, e do Ministro da
justiça, José Eduardo Cardozo, que pediram cautela às tentativas de mudar a lei
sob fortes emoções de crimes bárbaros, comparando o pedido de ambos com os
conselhos dados pelos fabricantes de armas nos EUA, que também pedem cautela
quando alguém tenta mudar a lei depois de massacres em Universidades
americanas. Ao acusar o Estado de infantolatria, o jornalista, faz menção ao
narcisismo infantil, que na tentativa de acreditar que os jovens são todos
naturalmente bons, transfere a culpa para a sociedade, ao invés de punir essas
crianças que são realmente más e responsáveis pelos seus próprios atos.
Outro argumento utilizado para fortalecer as
propostas de emenda à constituição (PEC), que desejam modificar o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), é a de que a lei feita para os jovens há 70
anos, já não é mais compatível aos jovens dos dias de hoje. Um mundo regado de
informação rápida, e permeado por estímulos ao desenvolvimento cada vez mais
precoce, cria jovens também mais conscientes e com maturidade diferente
daqueles nos quais a lei da maioridade penal se baseou. Sobretudo, é totalmente
justificável que a lei evolua de acordo com a evolução social do país, visando
ser esta uma tendência dos países desenvolvidos. "Em vez de ser ‘desculpabilizante’,
a lei deve adaptar-se à realidade, que já não é de brandos costumes",
sustentava então o deputado de Portugal Nuno Magalhães, quando a questão foi
discutida no Plenário daquele país.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB),
colocou-se, assim como seu partido, totalmente a favor das medidas de endurecimento
ao ECA, com o apoio de 93% dos paulistanos que também desejam que seja feita
justiça diante do sangue derramado por jovens delinquentes. O senador Sérgio
Souza (PMDB), apresentou um projeto de lei para modificar o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), no entanto a mesma foi rejeitada pela comissão de
direitos humanos (CDH) e agora segue para votação na comissão de constituição e
justiça (CCJ). A proposta de emenda à constituição de Aloysio Nunes (PSDB)
ganhou o apoio dos parlamentares e, por via dos fatos, deve seguir como a única
a discutir o assunto. O relator da PEC de Aloysio Nunes, senador Ricardo
Ferraço (PMDB), demonstrando o seu apoio à tramitação da proposta do Tucano
como única a discutir o assunto, destacou em entrevista que "a sociedade
não pode mais ficar refém de menores que, sob a proteção da lei, praticam os
mais repugnantes crimes". Dentre várias ideias que circulam pelo Congresso
Nacional, alguns parlamentares defendem até que a questão seja decidida em
plebiscito pela população.
Criticando a utilização do argumento social pelos
defensores da manutenção da maioridade penal aos 18 anos, os reformistas
defendem que os problemas socioeconômicos não podem ser justificativos para a
impunidade, considerando que também há em meio a esses jovens delinquentes,
adolescentes de classe média, e classe média alta. Além do fato das mudanças
sociais serem em longo prazo, o que torna necessário que medidas de efeito
rápido sejam também aplicadas, viabilizando a redução da maioridade penal no
Brasil.
Raphael F. Lopez
Raphael F. Lopez
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